Divulgação dos 3 primeiros capítulos do primeiro livro da trilogia!
Os segredos de Landara - Redescobrindo o passado.
Sua chance de conhecer essa ilha misteriosa!
Prólogo
Sentia as areias em meus braços enquanto olhava para o céu.
Meu pai fazia o almoço e tudo o que eu queria era ficar
deitada na praia, tentando esquecer que a pesca não tinha sido
tão boa naquele dia. Superaríamos com certeza.
O sol ofuscava minhas vistas, mas não muito, então pude ver
algo plainando no céu. Uma silhueta muito grande, com asas
enormes. Pensei por um instante que fosse um pássaro, mas algo
nele estava estranho. Percebi que tinha quatro patas, que se mexiam
no ar juntamente com suas asas. Aquilo com certeza não
era um pássaro.
Levantei-me para observar melhor, mas o misterioso animal
havia desaparecido.
1
A luz que entrava pela pequena janela encontrava
meus olhos ainda sonolentos. Sentia-me fraca e
completamente perdida. Onde eu estava?
Esfreguei meus olhos tentando me lembrar do que havia acontecido
comigo. Um grande branco preenchia minha mente. Levantei-
me assustada e me deparei com as grades que me prendiam.
Uma sensação estranha percorreu meu corpo. Por que eu estava
presa? Olhei em volta. Era um lugar nada acolhedor; o piso em
cimento, assim como as paredes, que ainda estavam manchadas
com a tinta velha. A parede da janela continha diversas manchas
de umidade e a cama, que um dia também foi branca,
trazia um fino colchão rasgado. Tudo parecia estar enferrujado
e com mofo.
Não me lembro de ter dormido aqui... Não me lembro de
nada...
Olhei para o lado e vi um prato de comida. Não, provavelmente
não podia chamar aquilo de comida. Embrulhou-me o
estômago. Tentei não olhar novamente para aquilo.
O enjoo aumentou quando respirei aquele conjunto de odores.
Odeio coisas úmidas, e aquele cheiro forte lembrava-me
constantemente disso. Era uma mistura de mofo, comida velha,
terra, mato e roupas sujas.
Encostei minhas costas na parede. Esfreguei meus olhos mais
uma vez, tentando imaginar que tudo aquilo era um sonho, e que
logo, logo eu acordaria e finalmente entenderia o que estava acontecendo.
Mas, ao abri-los novamente, tive vontade de chorar.
* * *
Meu Deus, quem sou eu?
Respirei fundo, engoli o choro e voltei a observar o lugar.
Havia diversas outras celas, pude observar uma em frente à minha,
onde se encontrava um homem mal vestido, com os olhos
semicerrados, encostado naquilo que chamavam de cama.
O homem parecia calmo, quieto e perturbado ao mesmo
tempo. Seus cabelos não tão grisalhos, compridos e mal cuidados
apoiavam em seu ombro. Provavelmente ele sabia mais
coisas do que eu. Talvez ele pudesse me explicar o motivo de
tudo isso. Não custava tentar...
– Senhor – chamei sua atenção –, desculpe incomodar, mas
pode me dizer onde estamos? – perguntei.
Ele levantou um pouco a cabeça, olhou para mim com os
olhos ainda se fechando e voltou a abaixá-la.
– Presos – respondeu indiferente.
Aproximei-me um pouco mais da grade. Precisava mais do
que isso.
– Por quê? – eu o olhava atentamente.
– Você? Não sei, mas eu roubei uma coisa – disse ainda encostado,
sem se importar com a minha preocupação.
Senti um aperto no coração, estava completamente perdida,
esquecida e abandonada. Não fazia ideia de quem era o homem
cabeludo com quem tentava conversar e sempre que eu pensava
em qualquer coisa relacionada a mim, nada se passava à minha
mente.
– Não me lembro de nada – confessei.
– Então provavelmente estava envolvida com drogas... – ele
finalmente olhou para mim, com um sorriso escondido.
– Eu não me drogo.
– Você não se lembra – ele riu.
– Não, eu realmente não me drogo – retruquei.
Ele virou mais uma vez o rosto, voltando como estava inicialmente.
Apático.
– Pois é... Não posso te ajudar – disse.
Sentei-me ao lado da grade enferrujada que me prendia, encostando
minha cabeça na parede.
– Qual seu nome? – perguntei.
– James. James Veber.
Respirei fundo e tentei novamente.
– James, eu preciso sair daqui.
Ele levantou, rindo, segurou as grades com as duas mãos e
olhou firme para mim.
– Faça-me rir! É impossível, gracinha. Você não vai conseguir
sair daqui, compreende? – Ele me olhou atentamente, pensando
em algo. – Principalmente, porque você deve ser perigosa, a cela
que você está é reservada para os piores – ele sorriu com malícia.
– Alguém deve ter me confundido – afirmei.
– Não, ninguém se confunde aqui – ele colocou o rosto entre
as grades. – Conte-me a verdade. Qual é o seu poder?
Seus olhos verdes miravam os meus de um modo semelhante
ao de uma pessoa louca e maníaca. Estavam fixos, curiosos e
com uma esperança a qual não entendi.
– Não tenho nenhum poder, do que você está falando? – disse
ainda mais perdida do que antes.
– Não se faça de desentendida, não pode ter se esquecido do
próprio poder – gritou.
Ele gesticulava demais para uma pessoa normal. Era estranho
observá-lo: hora ele estava quieto demais, hora elétrico demais.
– Eu não estou te entendendo... Falo sério – tentei convencê-
lo.
– Ah... Quer saber? Tanto faz! – gesticulou, jogando os braços
para cima e arregalando os olhos, se virando para sentar
novamente na posição inicial.
Que cara louco...
Cheguei a me perguntar se realmente tinha sido uma boa
ideia conversar com ele. Mas, sinceramente, não havia outra
pessoa, e eu precisava de respostas.
– O que você roubou? – perguntei baixinho.
– A mente de uma mulher.
– O quê?! – gritei.
– Olhe só – ele se virou, veio andando ajoelhado até a grade
e olhou para mim –, você não vai encontrar ninguém normal
aqui, viu. Todos nós estamos aqui por um motivo, um motivo
que ninguém sabe, mas todo mundo quer saber, alguma coisa
estranha, porque é o que nós somos, tá acompanhando? – ele
pausou. – É, pela sua cara você não tá acompanhando nada.
Fiquei parada, olhando para ele, não sabia o que dizer. Por
uns dois segundos tentei digerir o que ele falou, e quando vi que
não adiantava, abri o jogo.
* * *
– Filho, eu não entendi nada.
Ele bufou, virou os olhos e sentou-se no chão.
– É o seguinte. Você precisa acelerar o entendimento, compreendeu? –
Balancei a cabeça, mesmo não entendendo bulhufas. – Existem pessoas,
como nós, que são perigosas, poderosas, nós conseguimos fazer
coisas... Você não, porque nem sabe o que faz, mas todos aqui dentro, sim.
Caramba, vou bater nesse cara. Será que se eu passar cinquenta
anos aqui ele consegue me explicar?
– James, pelo amor de Deus, me explica direito. Eu não estou
entendendo nada. O que significa isso? Que lugar é esse? Quem
manda aqui? Quem me prendeu? E por que estou presa?
– Primeiro você precisa se acalmar. Segundo, eu já esqueci as
últimas perguntas que você fez...
Respirei fundo. Me acalmei... E voltei a falar, pausadamente.
– Quem é perigoso?
– Todos nós, todos que estão aqui dentro... – Ele levantou. –
Esse lugar foi construído para desativar nossos poderes, aqui dentro
parecemos humanos. É horrível – dizia, gesticulando muito.
– Quem construiu? – perguntei.
Ele se abaixou novamente, olhou para os lados e sussurrou.
– Patrick.
– Quem é ele? – fitei seus olhos, feliz por estar conseguindo
algumas respostas.
– Ele tem um plano. Ele usa a todos nós. Ele quer os nossos poderes.
Você tem sorte de não saber seu poder, assim quando ele perguntar
não estará mentindo e não será castigada por isso. Sim, ele
detecta a mentira, não dá pra mentir, acredite, eu tentei, não estou
mentindo, não minto mais, acho que aprendi a lição. Verdade...
– Acalme-se... Não consigo acompanhar suas palavras... –
Coloquei as mãos na cabeça, entre meus cabelos castanhos,
tentando organizar meus pensamentos de forma que pudesse
entendê-lo.
– Às vezes, eu falo demais. – Ele abaixou a cabeça e ficou
olhando para as mãos.
Ele era extremamente perturbado. Mas alguma coisa me dizia
que, no fundo, James tinha uma mente brilhante.
– Há quanto tempo você está aqui? – perguntei um pouco
com medo da resposta.
– Quatro anos e três dias. Amanhã faz quatro dias, e depois
cinco, e depois seis... Compreende?
Balancei a cabeça. Não era possível. Estava anestesiada, não
me conformava com aquilo. James não parecia alguém que deveria
ficar tanto tempo preso. Aquele lugar me assustava, principalmente
porque não entendia o que acontecia ali, eu não sabia
de nada. E tudo que descobria me assustava.
– Você disse que roubou uma mente? Como isso é possível? –
Não queria acreditar que ele era louco. Não queria acreditar que
aquilo não era uma cadeia e sim um hospício, pois se esse fosse o
caso, estaria tão louca como ele... e não me sentia assim, por mais
que eu não soubesse quem era, ou quem sou no momento.
Aqueles olhos verdes me encararam. James, então, se aproximou
ainda mais da grade e sussurrou.
– Abra a sua imaginação, mas não abra muito, porque alguém
pode entrar nela. A mente, os sonhos... A distração. E
BUM! – Assustei-me com o grito. – Lá estou eu.
– Você consegue entrar na mente das pessoas? – Ele balançou
a cabeça. – Que incrível.
* * *
Para mim, tudo o que ele falava parecia impossível, mas a
cada segundo me convencia a acreditar. Não tinha ideia de nada
do que acontecia e nem sabia quem eu realmente era. Então,
tudo o que estava sendo dito podia com certeza ser verdade. E,
além disso, se não acreditasse nele, que estava na mesma situação
que eu, em quem acreditaria? Talvez o melhor fosse aproveitar
toda essa loucura para descobrir quem sou.
– Então, talvez isso seja de ajuda. Pode ler minha mente e me
contar quem sou e como vim parar aqui? – perguntei.
James olhou entre as grades.
– Se você não sabe quem é... Como eu vou saber? – Ele levantou
uma sobrancelha e esbugalhou o olho que estava fixo nos
meus. – Brincadeira! Posso sim.
– Faça isso então! – disse animada.
– Você não escutou nada do que eu disse? – Balançou a cabeça.
– Meu poder não funciona aqui! Castelo e poder não combinam.
Nada de poder no castelo assombrado.
– O quê? – Não acredito que minha única esperança foi jogada
fora. – Droga! E como faço para sair daqui?
– Não faz! – ele riu.
– Não! Eu preciso fazer! – gritei.
– Relaxa, filha, depois do segundo ano esse desespero diminui.
– Você não está entendendo! Eu não vou ficar aqui nem mais
um segundo! – Levantei-me e comecei a gritar. – Eu quero sair!
Exijo sair! Por que estou aqui? Alguém! Ninguém escuta, não?
Fiquei alguns minutos gritando, mas ninguém se manifestou.
Sentei novamente, sentindo-me inútil.
– Que droga! – resmunguei.
– É... Pois é...
Respirei fundo, me acalmando, me conformando.
Olhei para James.
* * *
Era engraçado olhar para ele. Ele me lembrava alguém muito
conhecido, talvez de algum filme. Mas quem será?
Olhei para James atentamente, prestando atenção na curvatura
de seu rosto, no cabelo, no modo de se vestir... Eu conhecia
aquele jeito...
Ah, lembrei! Ele parecia o Capitão Jack Sparrow de Piratas
do Caribe. Realmente muito parecido. Recordo-me de assistir o
filme quando era mais nova...
Fiquei feliz por ter lembrado alguma coisa. Mas, por que
será que lembro apenas dessas coisas banais, como meus filmes
favoritos, o rosto de artistas famosos ou coisas parecidas e nem
passa pela minha cabeça o meu próprio nome? Isso me deixava
extremamente desconfiada. Eu não poderia ter perdido só as
informações importantes do nada. Deveria haver alguma coisa
podre por trás disso. Mas não era hora de pensar nesse assunto.
Por isso, resolvi compartilhar minha opinião com James.
– Você tem cara de pirata do século 19 – ri e apoiei minha
cabeça na parede.
– E eu sou.
Engasguei-me. Olhei para ele esperando que desmentisse.
– O quê? Eu estava brincando... É brincadeira sua também,
não é? – perguntei.
– Não, tá vendo aquela mulher ali?
Ele apontou para uma cela ali perto, havia nela uma mulher
toda de preto e com a pele bem pálida. Olhos fundos e escuros,
circulados por uma grande olheira roxa. Ela mal se mexia.
– Sim, quem é ela?
– Ela tem 1052 anos. O poder dela é nunca envelhecer, e ela
pode passar isso para as pessoas se quiser. A cada três anos, ela
me procura e passa um pouco desse poder para mim, e eu nunca
morro. Nem envelheço tanto.
– O quê? Espere aí! Ela passa o poder dela pra você?
– Sim.
– E ela simplesmente vem te procurar para isso?
– Claro que não – ele olhou em meus olhos, com certo sorriso
nos lábios. – De quem você acha que eu roubei a mente?
Esbugalhei os olhos.
Ele percebeu que eu precisava de uma explicação um pouquinho
melhor do que aquela e começou a falar.
– Ela vivia livremente quando a conheci. Naquele dia, disse
que queria ver o meu navio e que sempre quis saber como navegar.
Pediu para eu ensiná-la. Ela tinha uma fama ruim, então eu
recusei, é claro. Só que ela ficou extremamente irritada com isso
e mandou sua criatura me atacar. Eu me protegi e aproveitei para
entrar na mente dela. E aí... Bom, aí ela literalmente se ferrou.
Na mente dela, pude aprender uma porção de coisas. Inclusive
que ela não morria. Então, eu a obriguei a ficar conectada a mim
pelo resto da eternidade, e a cada três anos ela simplesmente me
procura, me entrega um pouquinho de seu poder e depois vai embora.
E assim vamos vivendo. Mas depois acabamos presos neste
castelo. Disseram que eu estava sendo preso por roubar a mente
dela, mas até hoje não sei se isso é verdade. Eu desconfio de algumas
coisas. Por exemplo, se eu fui preso por roubar a mente dela,
ela foi presa por quê? Não faz sentido!
* * *
– Caramba... É muita informação. Mas... Que criatura ela
tinha? O que é isso?
– Não conhece nossos animais? – ele perguntou como se
aquilo fosse um absurdo.
– Não... – respondi constrangida.
James segurou nas grades e fixou seus olhos nos meus.
– Eu não faço ideia do mundo em que você vivia antigamente,
mas aqui dentro, terá de levar sua fantasia mais a sério.
Os sonhos, as criaturas, coisas que você nunca imaginou existir...
Tudo existe. Dependemos de tudo isso, e dependeremos
ainda mais se você quiser sair desse inferno viva.
Minha mão apertava tão fortemente a grade que eu nem a sentia
mais. Com o coração batendo forte, escutava tudo com muita atenção,
mesmo sem entender. James virou-se e sentou-se no chão novamente,
dessa vez olhando para a parede à sua frente, e continuou.
– Você entenderá...
E fechou os olhos.
2
As coisas tinham acontecido rápido demais. Não sabia
onde estava, nem por que estava ali, e também não sabia
quem eu realmente era. Conheci um cara doido que dizia ser
pirata e ladrão de mentes e que jurava que eu tinha um poder. O
que mais faltava acontecer?
Encostei minha cabeça na parede e fechei meus olhos.
– Ei!
Abri-os novamente e olhei para o lado. Era James me chamando.
– O que foi?
– Você vai dormir? Não durma não. Não faça isso, é tentador
demais e eu não posso. Você sabe que não posso. Não sabe? Só
falta um restinho e desperdiçar com bobeiras não é legal – James
começou a jogar palavras sem sentido no ar.
– Você deve ter sérios problemas – concluí. – Do que você
está falando?
– Da poção, mulher!
– Que poção, homem?
– Que eu tenho.
– O que você tem? – apertei os olhos.
– Tudo bem, te explico. – Ele respirou fundo. – Tudo começou
quando eu era capitão do navio. Eu era dos bons, sabe...
– ele suspirou, lembrando com saudade de seu tempo livre. – E
um dia nós sabotamos uma princesa que vive no extremo norte,
porque eu sabia que ela escondia uma coisa muito importante.
É um reino pequeno, quase ninguém sabe de sua existência,
mas ele pode ser avistado do mar, se estivermos bem na beirada.
Bom, então a roubei. Era uma poção, mágica, feita por uma mulher
incrivelmente perturbada e poderosa. A poção faz com que
o poder de qualquer um funcione em qualquer lugar. Inclusive
na humanidade. Cada gota significa uma hora de poder livre.
Isso, é claro, inclui o castelo também.
– O quê? Não acredito! Então você pode ler a minha mente!
– Levantei em um pulo do chão e sorri para ele.
– Não. Eu tenho apenas uma gota. Uma única gota que precisa
ser usada na hora certa, você compreende?
– Ah! Então por que raios você me contou isso? – gritei.
– Porque se você dormir eu ficarei muito curioso para conhecer
a sua mente e talvez eu não resista a beber da última gota.
– Ah, é? Talvez eu durma – eu disse com um sorriso no rosto.
– Não faça isso.
– Eu disse talvez...
– Não estou gostando do seu olhar. Não faça o que você está
pensando em fazer.
– Ah, então seus poderes voltaram? Já sabe o que eu estou
pensando...
– Não... Foi intuição “piratesca”.
– O quê? – ri um pouco, mesmo sem entender, foi engraçado.
– A gente adquire algo do tipo quando vive no mar – ele deu
de ombros.
– Você é doido – sorri.
– Eu sei. Por isso sobrevivi tanto tempo.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, um barulho sincronizado
de batidas começou a se aproximar rapidamente.
Notei uma movimentação estranha dos prisioneiros, como se
estivessem assustados. Com medo.
O que estava acontecendo?
James deitou em sua cama correndo e fingiu que estava
dormindo. Percebi que sua mão tremia um pouco. Fiquei mais
assustada vendo-o agir daquela maneira. Eu não o conhecia
direito, mas sabia que ele não era um covarde. Alguma coisa
importante se aproximava. Algo ou alguém que era temido por
todos no lugar.
Segundos depois, pude ver de onde as batidas vinham. Era
uma marcha de soldados, todos uniformizados de vermelho e
preto. Eles pararam em frente à minha cela. Um deles, o primeiro
da formação, trazia um animal que andava ao seu lado, de
tamanho médio. Primeiro, pensei que fosse um tipo de ave, mas
me enganei. O rosto de águia com o corpo de um gato bem peludo,
um gato-do-mato um pouco diferente. Suas asas eram de
um roxo-azulado bem forte e a cabeça de águia era branca com as
pontas das penas rosa-escura. Bico amarelado, corpo cinza e patas
brancas. Pude ver uma cicatriz em seu olho quando ele rosnou
para mim. Sim, uma quase águia que rosna. James tinha razão... É
bom me acostumar com coisas absurdas. Mas eu tinha de admitir
que aquele animal era incrivelmente lindo.
– Patrick quer falar com você – declarou um dos soldados se
direcionando a mim.
* * *
Ele tirou uma chave estranha do bolso, não parecia uma chave,
era bem pontuda e com um design diferente, parecia um tipo
de raio. Lembro-me de uma pedra, um pouco branca com borda
azul bem brilhante, mas não consegui ver direito. Ele fez um
“xis” na grade com a ponta da chave e a porta se abriu.
Outro entrou em minha cela e me algemou com um tipo
estranho de algema, não sei como descrevê-la. Era uma corda
azul brilhante que, ao encostar-se em minha pele, se enroscou
ao meu braço e se prendeu também a minha cintura. Não conseguia
me mexer, apenas andar.
James ainda fingia dormir, e eu estava com medo. Com
medo de tudo, principalmente daquela gente desconhecida,
que fazia questão de deixar algumas marcas de sangue no uniforme.
Sim, por mais impecável que o uniforme parecesse estar,
não era possível esconder as manchas. Não sei ainda para
onde estavam me levando, mas não seria uma coisa boa. Disso
podia ter certeza.
Eu não gostava de sentir medo, não lembro direito, mas
acho que não é um dos sentimentos que costumo ter com tanta
frequência.
Olhei para o lado e vi o gato enorme novamente. Encarei
aquele animal incrível. Seus olhos se fixaram nos meus por
alguns segundos. Outro rugido saiu de sua garganta e então
desviei meus olhos e voltei a andar na direção que o soldado
mandava. Mas uma coisa me chamou atenção, e eu parei
para observar. O soldado que falou comigo pegou novamente
a chave e se aproximou da estranha águia. Percebi que havia
um tipo de símbolo no braço do animal, não sei se era feito de
ouro ou apenas pintado de dourado. Então, o soldado encostou
a chave no símbolo, arrastou-a por alguns poucos centímetros
na vertical para baixo e a fincou num tipo de buraco que havia
no símbolo. O animal de imediato se abaixou, como se oferecendo
carona para o soldado, e ele, então, subiu em seu ombro.
Eles foram juntos na nossa frente.
* * *
Eu caminhava na mesma velocidade dos soldados. Passávamos
entre as celas e parecia que todas aquelas pessoas me olhavam, como
se agradecessem por ainda estarem presas em vez de no meu lugar.
Saímos do setor onde ficavam as celas e entramos em um
enorme corredor. As paredes eram igualmente maltratadas, assim
como as da cela em que eu havia estado. No final do corredor,
havia uma grande escada. Subimos por ela e avistamos uma
porta linda toda em vermelho. Outro soldado tirou uma chave
do bolso, era idêntica à primeira. Ele a encostou na porta e fez
um triângulo com ela. E ela se abriu. Tentei imaginar como as
chaves funcionavam, mas ignorei a curiosidade.
Passamos pela porta e parecia que eu estava em um lugar
completamente diferente. Era lindo. As paredes em marfim, o
chão em mármore, colunas douradas e as cortinas e tapetes vermelhos.
Janelas espalhadas pela sala mostravam uma paisagem
perfeita lá fora. Vários pinheiros espalhados, bem distantes. Um
lugar realmente bonito. Mas eu continuava presa, então nada
daquilo me importava.
James realmente havia mencionado que estávamos em um
castelo. Mas se não estivesse vendo todo esse luxo, não teria
acreditado.
Chegamos a uma nova escada. Linda e enorme. Corrimãos
dourados com alguns desenhos. Reparei nos quadros da escadaria,
todos traziam figuras de criaturas pintadas à tinta óleo. Vi
um quadro em que estava pintado o Águia-Gato que caminhava
na minha frente, levando o soldado nos ombros.
Minutos de caminhada depois paramos em frente a uma
grande porta. Um soldado pegou novamente a chave e dessa vez
ele desenhou um “P” nela, e a porta se abriu.
Dentro dela, pude ver uma silhueta sinistra, que olhava
para mim.
3
-Olá. Que bom que você veio – disse a silhueta sinistra
que me olhava.
– Desculpe a grosseria, senhor, mas não tive escolha para recusar
– retruquei.
Era um homem de cabelos escuros bem lisos, com um bigode
fino.
Um soldado levantou a mão para me ameaçar, mas o homem
riu e o soldado se afastou.
– Você é corajosa. Gosto disso.
Não respondi. Apenas o encarei com olhos desconfiados.
A sala em que estávamos era extremamente ajeitada. A ca-
deira em que o homem se sentava era feita de madeira com o
assento em vermelho. A mesa era enorme e em suas pontas havia
chifres de animais como enfeite. Não era de nenhum animal
que eu conhecia. Fiquei assustada só de pensar em quem seria o
dono daqueles chifres.
Ao lado havia uma grande estante com diversos livros. Livros
científicos, pelo que pude ver. A maioria tinha por título
algo sobre DNA e RNA, os outros falavam de Física, Química,
Geografia... Mas a maioria era de Biologia. Estranhei... O que
ele queria com aqueles livros?
* * *
Pela sala havia vários quadros, mas dessa vez não eram de animais,
pareciam pinturas de humanos quando olhados de longe. Mas
quando me aproximei, percebi que eram pinturas de outras espécies
de gente, se é que posso chamar assim. Eram realmente parecidos
com humanos, mas cada homem desenhado nas pinturas trazia
alguma coisa que deixava claro que não eram humanos. Em um
dos quadros reconheci algo parecido com um minotauro, mas os
outros não sei nem como descrever.
O homem de bigode interrompeu meus pensamentos.
– Diga-me seu nome, garota.
Olhei para ele. E agora? O que eu faço? Eu posso falar qualquer
nome, talvez... Roberta! Ou... Renata... Sei lá! Camila?
– Responda – ele insistiu.
– Ah... É... – Respirei um pouco e continuei: – Eu não faço
a menor ideia, senhor.
– O quê? – ele encostou os cotovelos na mesa e me encarou
ainda mais.
Mas antes que ele pudesse questionar o motivo da minha
resposta, uma voz fina e suave o interrompeu.
– É verdade, Patrick, a memória dela foi apagada. Ela não
lembra nem do próprio nome.
A voz vinha do canto da sala. Era uma garota morena, de
cabelos escuros e olhos verdes. Usava um vestido azul-claro esvoaçante
muito bonito, e na mão trazia um espelho.
O espelho era bem diferente, pelo menos parecia ser bem diferente
de onde eu estava, mas não consegui vê-lo direito. Vi apenas
que ele também era azul, o mesmo tom de azul do vestido.
* * *
Do lado dela havia um animal completamente estranho para
mim. O corpo me lembrou o de uma pantera, mas era mais
peludo e azul, com algumas partes em cinza, sim, o animal de
algum modo era azul. Seu rabo, muito comprido, trazia na ponta
o que parecia ser um tipo de chifre, talvez essa não seja a palavra
certa para usar, mas me lembrou muito de um chifre de veado,
que também tinha uma cor azulada. A face da criatura me
amedrontou. Ela possuía dentes enormes e seu rosto em pele e
osso parecia uma caveira de algum animal. Seus olhos pequenos e
misteriosos olhavam diretamente para mim, mas quando Patrick
falava aqueles olhos se direcionavam para ele, de um modo que
me fez entender que aquele animal não gostava nem um pouco
do homem bigodudo. E ele tinha razão de não gostar.
– Ela não se lembra de nada? Impossível. – Patrick olhou
para mim. – O que você sabe sobre a pesquisa?
– Que pesquisa? – perguntei.
– Ela não se lembra – a garota respondeu.
– Iris, silêncio! – disse, olhando para ela, e voltou a olhar para
mim. Quando a pantera estranha soltou um pequeno rosnado,
ele a ignorou. – O que vocês descobriram?
– Do que você está falando? Eu não sei de nenhuma pesquisa
– respondi.
– Que inferno! Velho esperto! Todo esse trabalho para nada
– Patrick parecia revoltado com algo.
– Você pode me explicar o que está acontecendo? – pedi.
* * *
Patrick levantou-se calmamente e se aproximou de mim.
– Acontece que você era ajudante de laboratório de um velho
cientista chamado Klaus Leone. E vocês trabalham juntos há
muito tempo. Eu fiquei sabendo que recentemente vocês descobriram
uma coisa muito importante, uma coisa que aguardo há mais
de cinco anos, e a quero para mim. Por isso mandei meus guardas
atrás de vocês. Mas Leone conseguiu enganá-los. Eles disseram que
você lutou muito e que seu poder é muito grande, mas o mais impressionante
é que nenhum deles soube me falar que poder é esse.
Enfim, vocês lutaram e provavelmente, quando Klaus, que deveria
estar escondido em algum lugar próximo, viu que você perderia a
luta, ele apagou sua memória, pelo que pude observar agora. Você
desmaiou e meus guardas te trouxeram para o castelo. Não sabia
que ele tinha esse poder de apagar memórias! – Patrick olhou para
Iris. – Por isso a gente não esperava, não é mesmo? A pantera azul
rosnou novamente. Percebi que ela protegia Iris.
– Eu realmente não sabia. O espelho não mostra poderes,
apenas mentiras – Iris se protegeu da acusação.
– Claro... Não é culpa sua – Patrick respondeu a ela.
– Esperem... – pedi atenção – eu sou uma cientista?
– Sim.
– Esse homem pode devolver a minha memória? Esse tal de
Klaus?
– Provavelmente. Não sei – Patrick não parecia tão interessado
em mim agora.
Então, eu precisava encontrá-lo, não aguentava mais viver na
dúvida.
Preciso saber quem eu sou.
– Mais uma pergunta, o que são esses animais? – disse olhando
para a Águia-Gato que ainda estava ao meu lado levando um
soldado nas costas e para a estranha pantera ao lado da garota
de vestido azul.
* * *
– Não lembra nada mesmo, hein, menina? – ele sorriu. –
Existem inúmeras criaturas dessas – começou a explicar. – Várias.
Algumas nem são conhecidas por nós. Elas agem por instinto,
são inclusive perigosas. Mas alguns anos atrás você e seu
amigo inventaram um modo de controlá-los. Está vendo isso no
braço dele, tipo uma fechadura? Se você introduzir essa chave
– ele tirou uma chave do bolso, igual às primeiras que vi com os
guardas – nessa fechadura, o animal te obedece e é possível até
montá-lo.
– Eu inventei isso?
Olhei melhor a chave. Percebi que algumas partes dela eram
compostas por Opalas, uma pedra preciosa bastante encontrada
na Austrália. A chave era muito bonita. Mas entendi que não
era só isso que era feito de pedra. Olhei melhor a sala e vi um
grande arco em Hematita pendurado na parede vermelha. O
que aquilo significava? Será mesmo que era só um enfeite?
– É engraçado ver você pedindo explicação de uma invenção
sua, não é? – Patrick chamou a minha atenção.
* * *
Abaixei os olhos. Aquilo era ridículo.
– Se você sabe tanto de mim, por que não sabe meu nome?
Por que perguntou quem sou eu?
– Porque eu nunca me interessei por você, apenas pelo seu
trabalho. E nunca tinha te visto pessoalmente.
Um soldado se aproximou de mim, acredito que para me
tirar da sala. Mas eu não podia voltar para minha cela agora,
precisava descobrir mais coisas. Então, me afastei da mão alheia
que procurava meu braço e voltei a fazer perguntas.
– Por que você prende essas pessoas? O que elas fizeram?
Patrick sorriu e respondeu maliciosamente. O soldado se
afastou.
– Elas nasceram com poderes incríveis.
Não entendi o que ele quis dizer com isso. Mas sabia que boa
coisa não era, e era claro que ele estava tramando algo.
– E o que você quer com eles? – perguntei com medo da
resposta.
– Sempre quero tudo, mas o melhor é que você e seu amigo
sempre me dão o que eu quero. E se meus informantes estiverem
certos, logo, logo a minha próxima ambição estará próxima
de se realizar. Só preciso colocar a mão na sua última pesquisa.
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